segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Obrigado, San Antonio



Certo — imagine isso: Você tem uma entrevista de emprego importantíssima. Você se preparou a sua vida inteira para isso. E para essa empresa que, wow... para esse emprego, nessa indústria? Será um dos melhores lugares para se trabalhar. Essa entrevista é do outro lado do mundo, mas você não se importa. Você pega o avião, voa através do oceano para conhecer o chefe da companhia.
Parece promissor, certo?
É agora que as coisas ficam ruins. Talvez seja o atraso do avião, ou talvez o nervosismo — mas o que quer que seja, quando você está na entrevista, você não está se sentindo você mesmo. Eles fazem você fazer uns exercícios, e, cara... É realmente frustrante. Porque não importa o quanto você tente, hoje você simplesmente está um passo mais lento. Você parece oprimido — e não qualificado. E após cerca de 10 minutos, o chefão diz que já viu o que tinha que ver. É isso. Você está acabado. Obrigado por vir.
Parece um pesadelo, certo?
Bem, como você pode adivinhar, essa história é a minha história. Aquele foi meu primeiro workout com um time da NBA, durante o processo pre-Draft em 2001 — e foi um desastre. Eu joguei muito mal. E quando acabou, eu pensei que com certeza meu sonho de chegar a NBA tinha acabado.
Mas enquanto vocês adivinharam que aquela era a minha história, eu aposto que muitos de vocês não adivinharam o time para qual eu tinha feito o workout.
Foi com o Spurs.
É verdade — eu joguei talvez o pior basquete da minha vida, no pior momento possível, na frente do treinador Pop e todos os outros. Pop e R.C., eles trouxeram um cara chamado Lance Blanks, um jogador aposentado da NBA, para fazer o workout comigo, e ele apenas me dominou. Ele me fez parecer... Bem, ele me fez parecer como um adolescente que eu era.
E eu acho que eu trouxe essa história porque, você sabe — muitas pessoas, eles acham que o treinador Popovich é aquele cara difícil. Mas eu vou te dizer, é engraçado: Eu talvez não teria nem chegado a liga se Pop não tivesse decidido me dar uma segunda chance para impressionar ele. Ele me convidou para outro workout, e eu garanti de não estragar tudo. Eu joguei bem melhor contra Lance dessa vez. Ele ainda foi muito bem, mas eu consegui mostrar um pouco do meu jogo. E cara isso é louco. Porque a próxima coisa que você sabe, eu estou assistindo o draft, e — com a 28ª escolha do draft de 2001, o San Antonio Spurs escolhe Tony Parker, do Racing Club Paris, França.
Em outras palavras: Eu consegui o emprego :)
E agora estamos aqui 17 anos depois — e eu quase não consigo acreditar nisso, você sabe? Aqui estou, o mesmo garoto de 19 anos. Só que agora, de repente, eu tenho 36 anos e já sou um homem. E estou saindo para outro emprego.
Mas antes de eu ir para a minha próxima oportunidade em Charlotte, eu espero que seja O.K. para todos se eu puder escrever algumas palavras.


As pessoas falam muito sobre “A cultura do Spurs”... Tanto que eu acho que as vezes você pode se perder no que isso significa. Mas mesmo com toda essa conversa, eu tenho certos momentos do meu período em San Antonio que ainda se destacam — e eu acho que me ajudam a entender qual a diferença, e o grande privilégio, de ter entrado na liga como um Spur.
Uma das coisas de ter chegado na liga em um time de veteranos, um time que já tinha vencido um campeonato e tinha o objetivo de conquistar mais, é que não há esse mesmo espaço para erros que você pode ter quando um jovem jogador é draftado para uma equipe de loteria — onde eles podem dizer a você, “O.K., não se preocupe com o resto, nós vamos focar apenas no seu desenvolvimento nesse ano.” E sim, é verdade: com o Spurs, nós estávamos montados para vencer. Vencer era a coisa mais importante. Mas o que eu sempre vou me lembrar, e sempre ser grato durante esses anos, é como — mesmo com essas prioridades — de algum jeito meu desenvolvimento nunca ficou de lado.
Os veteranos me colocaram em baixo das suas asas logo de cara. Eles sempre abriram um espaço para isso — e eu não digo “parem tudo e ensinem o garoto francês sobre o significado da vida” nesse sentido. Apenas coisas pequenas como uma rápida lição aqui, uma pequena conversa lá.
Com um cara como David... Eu quero dizer, era apenas incrível de ver. Você tem um cara do calibre dele, Hall of Fame, e ele está no meio de outra corrida por um título — e ele não me olha como se eu fosse um jovem e um fardo a ser carregado. Com David, e com outros veteranos do Spurs, sempre pareceu como esse era o jeito natural das coisas. Todos tem a expectativa de ganhar campeonatos. Mas então eles tem essa outra responsabilidade, que eles valorizam muito, é algo como... deixe o time em melhor posição do que quando você chegou.  E essa é a cultura do Spurs para mim, sabe? Alcançar suas expectativas, ao mesmo tempo abrindo espaço para os outros.
É claro, que a maior razão porque a cultura do Spurs existe... Isso é muito simples, não é? Nós tivemos um dos melhores jogadores de todos os tempos, por 19 temporadas, em Tim. Mas o negócio com o Tim é que ele não era apenas o melhor jogador durante esse tempo. Ele era também o melhor companheiro de time. O.K., talvez isso seja clichê. Mas eu não acho que as pessoas percebem o quanto toda a cultura de nossa equipe pode realmente ser trazida de volta para apenas Tim, sendo Tim. Essa é a verdade.
Aqui vai um exemplo: As pessoas sempre perguntam porque os jogadores nos nossos times são tão “coachable” (ser fácil de treinar, aceitar papeis menores) — sobre como sempre conseguimos tirar o máximo de jogadores que passaram pela organização. E como, quando os novos jogadores chegam aqui, eles parecem que em um passe de magica ficam melhores, você sabe, ou transformam o seu jeito de trabalhar, ou melhoram em algum aspecto do seu jogo. E eu digo as pessoas, sempre, que isso não é magica, eu falo que nós temos uma equipe de técnicos de elite. E eu falo a eles que nós temos obviamente um treinador único em Pop. Mas se você quer saber o que nos diferencia nessas situações? É o Timmy, cara. Era realmente o Timmy. Simples assim.
Porque o negócio com Tim Duncan: ele foi o maior jogador de todos os tempos? Eu não sei — ele é o melhor que eu já joguei, eu vou dizer isso, e eu vou deixar os especialistas pegarem isso. Mas aqui está uma coisa que eu vou te dizer, absolutamente: Timmy foi o jogador mais fácil de ser treinado (coachable) de todos os tempos.
Essa foi sempre a nossa arma secreta, para mim: você vê esse jogador de impacto mundial, esse First Time All-NBA, MVP das Finais, prestes a ser MVP, o cara da liga, e aqui está ele, no treino, disposto a ser treinado como se ele estivesse lutando por um lugar no time. Foi irreal. E se você acha que é muito passivo para um jogador de estrela ser? Bem, então você não está pensando no nível de Tim. Porque Tim sabia a verdade: que era deixar-se ser treinado dessa maneira, você sabe... Isso é o verdadeiro carisma, e isso é verdadeira arrogância. É como se ele estivesse desafiando todo mundo em nosso time: O melhor jogador de toda a liga está disposto a colocar seu ego de lado pelo bem dessa equipe — e você?
E esse era o acordo, sabe? Os caras viriam, davam uma olhada, e eventualmente fariam como Tim fazia.
Isso foi a Cultura Spurs.


E então, se Tim fosse a força motriz do programa que construímos, eu diria que Pop estava em segundo lugar muito próximo.
É difícil explicar o que faz de Pop um líder tão especial. Claro, há as coisas que você sabe: ele é um comunicador genial, um pensador esperto dos Xs-e-Os, um motivador brilhante e um ótimo cara. Mas eu acho que o que o torna único como técnico da NBA são seus princípios: a maneira como ele os estabeleceu desde o início - e depois a maneira como ele os manteve desde então.
Às vezes, esses princípios estão a seu favor e é o que você quer ouvir. Quando eu fiz aquele segundo treino, pré-draft, apesar de ter arruinado o primeiro... Era o Pop apenas agindo de acordo com seus princípios, sabe? Ele achou que viu um bom jogador em mim, ponto final. E por isso não importava para ele que eu tivesse tido um treino ruim — ele não deixaria aquele barulho atrapalhar o que seu instinto lhe dizia para fazer: que era me dar outra olhada, e então ele me draftou. E foi a mesma coisa quando, no meu ano de estreia, Pop começou a me dar cada vez mais tempo — até o ponto em que eu fiquei em segundo com o Tim em minutos para a nossa série contra os Lakers, com quase 40 por noite. E foi a mesma coisa quando, cerca de cinco anos depois, Pop nos deu luz verde para começar a atacar um pouco mais do meu jeito — ao ponto de eu liderar o time em 2006 e depois, como eu consegui, indo durante os playoffs de 2007, até ganhar o MVP da Finais.
Mas há também o outro lado dessa moeda, quando se trata dos princípios do papa. Às vezes, essas mesmas idéias, agora elas não estão a seu favor... E isso pode ser muito difícil de ouvir. Foi o que aconteceu comigo nos playoffs de 2003. Durante toda a temporada, comecei como titular. Mas então, durante os playoffs, quando comecei a jogar um pouco mal, Pop decidiu que Steve ficasse no meu lugar no final dos jogos. Também foi o que aconteceu mais tarde naquele mesmo verão, quando — depois de ajudar o time no seu segundo campeonato (meu primeiro) como um armador de 21 anos - a conversa na agencia livre se tornou sobre como iríamos atrás depois Jason Kidd, uma estrela, um armador veterano. E então outra experiência difícil quando ainda um jogador jovem foi as Finais de  2005, quando ganhamos nosso terceiro campeonato (meu segundo), mas Pop decidiu dar algumas das minhas responsabilidades nessa série para Manu.
Você vê o que eu estou dizendo?
Aqui vai uma coisa, no entanto, com todas essas experiências, tanto as "boas" quanto as "ruins": todas elas me tornaram um jogador melhor — e todas elas me tornaram uma pessoa melhor. E isso é só Pop, cara. Isso é o que o torna tão especial. Não é B.S. (besteira) quando ele está te dando essas palavras de encorajamento... E não é B.S. quando ele está te dando essas palavras de crítica. Quando ele está começando os jogos com você, quando ele está te colocando no banco, quando ele está entregando-lhe as chaves do ataque, ou mesmo quando ele está oferecendo as chaves na agência livre para outra pessoa... Cara, você ainda está recebendo o mesmo do Pop, operando no mesmo princípio, todas as vezes. E esse princípio é: qualquer coisa que acontece com você, acontece por uma razão e uma única razão. O bem dos Spurs.
Como você pode não respeitar isso?
E a verdade é que, em pouco tempo, você não apenas respeita isso — você também aprende com isso.
Eu acho que é por isso que você vê os Spurs, como uma organização, sendo tão bons em fazer malabarismos com esses grandes nomes, muitos desses grandes jogadores, todos ao mesmo tempo. Porque quem quer que seja o cara, isso não importa — a questão nunca muda. É sempre a mesma pergunta do Pop: o que vai acontecer aqui, então é para o bem dos Spurs?
Se Timmy está dominando as finais de 2003, então Manu e eu temos sorrisos em nossos rostos.
Se Manu e esse cabelo de seu manequim - Manu, por que você mudou seu cabelo? O cara era imparável com o cabelo desleixado, SMH — está dominando
Se as coisas estão indo na minha direção nas finais de 2007, e eu estou entrando em uma zona lá —  então Manu e Timmy, você sabe, você pode apostar que eles também têm sorrisos em seus rostos.
E então, mesmo que não seja nenhum de nós, sabe? Se não é nenhum do Big Three original, e agora de repente é a jovem arma, Kawhi, dominando nas finais de 2014 — cara, Timmy e Manu e eu, você nunca viu sorrisos como os que tivemos em quando estamos levantando esse troféu.
Tudo o que queríamos, no final, era ganhar títulos juntos. Isso é tudo que importava. Era o jeito do Pop, o que significava que era do nosso jeito.
O que significava que era o Caminho dos Spurs.



A última "decisão pop" da minha carreira no Spurs, eu vou dizer, eu acho que é muito revelador — porque era como se o sapato agora estivesse em outro pé. Desta vez foi Dejounte quem desempenhou o meu papel, como o jovem armador do Spurs, e que iria receber algumas novidades. E então foi quase como, para este, eu era a figura Pop liderando a conversa agora.
Eu abordei o Pop um dia, e contei a ele meus pensamentos: era hora de Dejounte assumir como nosso armador principal. Eu não queria que fosse uma coisa dramática, ou essa coisa do ego, ou uma dessas grandes coisas da mídia, mas eu só queria deixar isso claro — para o bem do desenvolvimento de Dejounte, e para o bem do equipe. Pop concordou e me agradeceu. E então eu fui e tive a mesma conversa com Dejounte. Ele ficou grato.
Você sabe, eu não estou tentando parecer um robô aqui ou algo assim, mas realmente não foi. É uma coisa de disciplina, eu acho. Esse é o jeito que eu cresci e como cresci como jogador — para sempre seguir em frente. É claro que não me entenda mal: de vez em quando, sabe, Manu, Timmy e eu, nos reunimos para o jantar... E quando isso acontece, com certeza, é hora de um pouco de nostalgia. Você não pode evitar — e nós nos divertimos muito, compartilhando todas essas ótimas lembranças. Mas quando está na temporada? E estou no modo trabalho? Quando você está no modo de trabalho nesta liga, eu acho, você tem que ser bem disciplinado: sobre deixar o presente ficar no presente, e o passado ficar no passado.
E foi assim que tentei manter esse momento. Eu queria que Dejounte soubesse que ele havia merecido —  mas também que a decisão se resumiu, no final, foi exatamente a mesma coisa que sempre aconteceria durante seu tempo em San Antonio: o bem do Spurs.
E, na maioria das vezes, acho que é assim que eu queria que esse verão fosse também. Daqui a alguns anos, quando me aposentar, imagino que haverá tempo para a nostalgia. Mas enquanto isso? Eu assinei um contrato de dois anos com a Charlotte, e estou muito animado para jogar. Será uma nova experiência para mim, com uma nova organização. E se você está procurando uma segunda equipe para torcer, no Leste, você sabe… Talvez até nos dê uma olhada :) Eu prometo que vamos dar a eles um inferno.
Mas principalmente eu só queria agradecer.
Obrigado à organização do Spurs, de cima a baixo, pela oportunidade mais incrível da minha vida — e por 17 anos do melhor trabalho do planeta. Obrigado aos fãs do Spurs, em todos os lugares, por sempre aparecerem, sempre sendo barulhentos, e sempre, sempre me apoiando. E obrigado à cidade de San Antonio, por ser a única coisa que eu poderia chamá-la agora: casa.
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A verdade é que sei que é impossível resumir o que o meu tempo com o que o Spurs significou para mim, em uma carta como esta.
Mas acho que também é a beleza do basquete e da vida de certa forma. Como isso pode se tornar menos sobre o resumo das coisas — e mais sobre uma coleção de momentos. Como você acabou de se tornar esses momentos, você sabe o que eu quero dizer? Todas essas amizades e conversas e lições e decisões. Todas essas pequenas coisas que apenas o colocam sorrateiramente em você, e começam a moldá-lo, e eventualmente, se você tiver sorte, até vir a definir você.
E embora eu não tente definir quem eu me tornei, nestes últimos 17 anos, em uma única carta... Eu posso dizer com certeza: eu tenho o Spurs e tenho que agradecer a San Antonio por isso.
E vou carregar isso com orgulho.

O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

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